Tuesday, May 18, 2010

Alice e o espelho da madrasta de Branca de Neve by Carlos Pires

Desde há alguns dias que Alice perdeu a inocência: aqueles
que nos governam apenas o fazem por poder ou dinheiro.
O dinheiro, nomeadamente, tornou-se o objectivo essencial
das sociedades. Tudo deve ser classificado e avaliado em
sua função. Não são apenas as empresas destinadas, claro, a
produzir “mais-valias”, mais “valor”, são também as escolas,
os hospitais, as universidades e, pasme-se, os países. Tudo
deve ser certificado e rentável. “Rentável” significa produzir
dinheiro (para quem?), “certificado” significa que alguém certifica
algo com certos critérios, e que considera esses critérios
indiscutíveis. As pessoas (“os funcionários”) são igualmente
sujeitas a avaliação. Essa avaliação é apresentada como
necessária para fazer progredir as instituições, a sociedade:
promover a evolução social e humana. Mas será assim?
O cidadão comum, trabalhado até à exaustão, para se tornar
um idiota, crê em tudo. Por isso, quando ouve falar na
avaliação dos outros, parece-lhe natural que “sejam distinguidos
os bons dos maus, por que assim deve ser em tudo na
vida”. Esta forma sensata de pensar é uma versão popular da
famosa teoria da evolução das espécies e baseia-se no não
menos famoso mecanismo de selecção natural. Por isso os
bons devem seguir em frente e os medíocres ficam pelo caminho.
Claro, só que não se sabe o que é ser “bom”. E como
somos todos muito ignorantes e egoístas gostamos de ver os
outros serem avaliados. A propósito: os que impõem as avaliações,
que produzem mudanças dramáticas na vida dos
outros, e que depois se verifica serem inadequadas, quando
é que são avaliados? Nunca, claro. Estavam ao serviço do
país…
A presente crise económica, segundo tenho ouvido dizer,
tem a mão de várias entidades mundiais ligada à alta finança,
Banca e empresas de rating, entre outras. Não ouvi alguém
dizer que resultou de menos trabalho daqueles que trabalham
nas empresas, nas escolas, na agricultura, nos serviços
ou na pesca; ainda menos que resultou de avaliação incorrecta/
ou ausência de avaliação. Isto é, que seja resultado da
sua incompetência. Porém, quando se apanham os destroços
da crise, quando se abre a sua “caixa negra” que concluem
os inefáveis economistas do Sistema e os políticos, em geral?
Que é necessário “apertar o cinto”, aumentar os impostos
(mesmo negando-o), que temos vivido “acima das nossas possibilidades”
(metáfora interessante, não lhe parece?). No meio
de tudo, os beneficiados do “costume” (os que, afinal, terão
estado na origem da crise) continuam a sua inefável carreira
de aumento dos lucros. É por isso que não me espanta a
revolta dos gregos.
Vivemos sob governações produtoras de ilusão. A realidade
já nunca é o que nos é apresentado. O marketing político,
a penetração complexa dos que detêm o poder político
nos Media, a penetração subtil do poder económico no poder
político, fazem hoje do cidadão comum, uma vítima mais ou
menos contente: o perfeito idiota. Tal como no espelho da
madrasta de Branca de Neve, as suas perguntas têm sempre
respostas que lhes agradam, ainda que a realidade seja oposta,
ou mesmo sem relação.
Da minha parte, tenho uma imensa dúvida quanto ao
objectivo mais profundo de todas estas avaliações e deste
espelho da madrasta da Branca de Neve: e se o sentido mais
importante da evolução da espécie humana for, não a obtenção
de mais-valias financeiras, mas a solidariedade? Então,
aquilo que todos aqueles “artistas” nos terão feito, terá sido
a passagem de uma certificação de toda a nossa estupidez.




Parece que o Mundo está em crise. As piores
das fantasias trouxeram as piores das realidades.
Batman não tem dinheiro para o combustível do
seu carro e por isso não poder vir salvar-nos. O
Homem-Aranha está mais preocupado em arranjar
emprego, mesmo que seja a lavar escadas numa
empresa qualquer. E alguns dos que em crianças
leram aventuras destes super-heróis são, realmente,
aqueles que agora controlam os governos
do nosso Mundo. Eles globalizaram o nosso Mundo
com a pior das fantasias: a falsidade.

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